Um tema, não raro, recorrente nos meios de comunicação de massa; o problema da criança e do adolescente - pobre e não branco - e sua marginalização perante a sociedade. Os discursos hegemônicos, políticos e midiáticos a respeito do ato infracional cometido por menores e adolescentes. No livro Mídias e Discursos de Poder - Estratégias de legitimação do encarceramento da juventude no Brasil - Editora Revan, a autora, Marília de Nardin Budó - jornalista e advogada - contextualiza tudo isso na sua pesquisa, um trabalho apresentado em dezembro de 2013 como tese de doutorado ao Programa de Pós-Graduação em Direito, da Universidade Federal do Paraná. O prefácio é da jornalista Sylvia Debossan Moretzohn, uma das mais talentosas do país., diga-se de passagem.
Bairro do Flamengo, Zona Sul do Rio de Janeiro, fevereiro de 2014. Um adolescente suspeito de furtos foi espancado e preso nu a um poste por uma tranca de bicicleta, por um grupo de homens mascarados, que reivindicaram para si o título de “justiceiros”. Uma cena chocante, triste! Uma covardia inominável!
O fato teve repercussão nacional. E ganhou uma polêmica adicional, a partir de um comentário da apresentadora do jornal do SBT, Raquel Sheherazade que, entre outras coisas, deixou à mostra o preconceito de classes arraigado na nossa sociedade, e a ideologia punitiva.
Sheherazade, que foi para a emissora com o beneplácito do patrão Silvio Santos, afirmou à época que “ a atitude dos vingadores é até compreensível. O que resta ao cidadão de bem que ainda por cima foi desarmado? Se defender, é claro! O contra- ataque aos bárbaros é o que eu chamo de legítima defesa coletiva. E para os defensores dos direitos humanos que se apiedaram do marginalzinho preso ao poste, eu lanço uma campanha: faça um favor ao Brasil: adote um bandido”.
Toda vez que ocorre um fato policial envolvendo um menor e que, devido a certas circuntâncias ganha visibilidade, vem à baila a questão da maioridade penal. E, em relação ao fato ocorrido no bairro do Flamengo não foi diferente.
A autora cita o caso trágico do menino João Hélio, que morreu vítima de um assalto ( veja box (1) ) e frisa que, no dia 28 de março de 2007, cerca de um mês após o ocorrido, duas leis entraram em vigor: uma sobre progressão de pena para crimes hediondos, sendo 2/5 para o primário; 3/5 para o reincidente. “ Um dos suspeitos do caso era foragido do sistema semiaberto”, lembra Marília de Nardin. E a segunda lei “ tipificou como falta grave o uso de aparelho celular dentro da prisão, proposta esta ligada aos ataques do PCC em 2006, em São Paulo”.
O livro revela como todos os discursos, projetos, ideias, procedimentos ou coisa que o valha, em relação a crianças e adolescentes que cometem atos infracionais, optam por mais repressão e punição. E, como a autora revela, a mídia sempre apoiou o status quo e pautou o Legislativo em relação à prática dos atos infracionais. Na esfera criminal o quadro não é nada animador. para dizer o mínimo, pois ainda “persiste o sistema processual inquisitorial”.
Lamenta-se que o Estatuto da Criança e Adolescente - ECA, veja box (2) - um avanço social na defesa da infância e da adolescência, nunca foi respeitado como deveria ser.
TRECHO DO LIVRO - A receptividade do discurso punitivista pode ser verificada
na audiência de programas de televisão que acompanham prisões, levando a uma transformação da vida em um reality show, no qual, assim como na ficção, existem mocinhos e bandidos, aqueles estereotipados como “homens de bem”, estes caracterizados como monstros anormais, que representam uma ameaça à sociedade. É a partir dessa receptividade, medida também por variadas e frequentes pesquisas de opinião sobre temas como a pena de morte, progressão de regime, redução da maioridade penal, entre outros, que parte do discurso político busca afirmar o caráter democrático da adoção de posturas punitivistas.
Indignação popular (1) - O caso do menino João Hélio ocorreu em fevereiro de 2007, no bairro de Oswaldo Cruz, Zona Norte do Rio. Ao parar o carrro num sinal de trânsito, Rosa Fernandes, que estava acompanhada da filha Aline, 13 anos e, no banco de trás estava João Hélio, seu outro filho. Foi abordada por assaltantes. Ela, juntamente com a filha, conseguiu abandonar o carro. Mas, ao tentar tirar o cinto de segurança do filho, Rosa foi surpreendida pela total frieza dos bandidos, que arrancaram com o carro com o menino pendurado sendo arrastado por aproximadamente sete quilômetros. As pessoas na rua gritavam desesperadas, mas foram ignoradas pelos bandidos. O fato causou indignação e revolta na opinião pública, o que contribuiu para a polícia prender, em poucos dias, os cinco bandidos, condenados a penas de 39 a 45 anos de prisão. Entre eles um menor de 16 anos, que recebeu pena de medida sócio educativa, com três anos em regime fechado e dois no semiaberto.
ECA (2) - O Estatuto da Criança e do Adolescente foi aprovado em 1990 - lei número 8.069, dois anos após a promulgação da Carta Magna de 1988, a Constituição Cidadã. Seu objetivo é defender os direitos das crianças e adolescentes. O termo menor foi substituído por criança e adolescente. A palavra menor tem um caráter pejorativo, ou seja: pessoa que não possui direitos.