A luta contra o crime não se materializa apenas nas operações policiais, confrontos e prisiões. Para que o trabalho dos policiais nas ruas tenha êxito e seja realizado da forma mais profissional possível, toda a estrutura da segurança pública tem que funcionar bem azeitada. Há demandas que a maioria da opinião pública não toma conhecimento. Mas, nos bastidores, profissionais experientes e com noção social da sua profissão, trabalham fazendo contatos com empresas, autoridades e, com paciência semelhante ao personagem bíblico Jó, enfrentam os desafios da burocracia.
No livro O Pássaro de Ferro, de Marcio Colmerauer - Uma história dos bastidores da segurança pública do Rio de Janeiro - Editora Record, você vai conhecer a luta de três amigos de infância que, após anos de convivência voltam a se encontrar como integrantes da área de segurança pública. O autor foi subsecretário de Segurança do Estado do Rio de Janeiro em 2007 e 2008. É especialista em Segurança Pública.
Em 2007, já como policiais, no encontro entre os três amigos (Rodrigo Oliveira, delegado. Comandava a Coordenadoria de Recursos Especiais - CORE -, grupo de elite da Polícia Civil; Adonis Lopes de Oliveira, chefe do Setor Aéreo da Polícia Civil e Marcio Colmerauer) ressurge um assunto antigo: a necessidade da polícia adquirir um helicóptero blindado para operações em favelas. As aeronaves comuns colocavam em risco toda a tripulação, diante do poderio bélico dos traficantes, pois possuiam apenas uma blindagem no piso. Por isso eram vulneráveis. “Atuavam sempre em curva e, por isso, os tiros chegvam sempre pela lateral Era comum exibirem vários disparos na fuselagem e nenhum no piso blindado, já que operavam, na maioiria das vezes, abaixo da linha de tiro. Mesmo diante do risco crescente de serem abatidos, continuavam em operação diante da sua importância em áreas de confronto. A presença da aeronave, em determinados momentos, era questão de vida ou morte para o pessoal de terra” - explica o autor.
A partir da página 62, o leitor acompanha como a realidade da aviação policial começa a mudar. Tudo tem início quando o piloto Oswaldo Franco de Mendonça assistiu ao documentário Discovery Channel, sobre a modernização do UH-1H (Bell UH-1H - Huey), helicóptero norte-americano usado na Guerra do Vietnã (1955-1975), mais conhecido como “Sapão”, um dos destaques do filme Apocalypse Now, de Francis Ford Coppola. Com as modificações o helicóptero ganhou um novo nome - Huey II. Entra em cena a luta para resolver entraves burocráticos e convencer o chefe - secretário José Mariano Beltrame - que a polícia necessitava de um helicóptero com as características do Huey II, um dos melhores helicópteros militares do mundo. Todos os obstáculos foram superados e, após um período de aproximadamente dois anos, o helicóptero passou a fazer parte da Polícia Civil do Rio de Janeiro. Veio voando dos Estados Unidos e foi de fundamental importância em todo o processo de pacificação das comunidades cariocas.
TRECHO DO LIVRO - 10 de novembro de 2008
Quando surge nas áreas de confronto, o helicóptero UH-1H Huey é temido pelos bandidos.
O Morro Dona Marta, localizado entre Botafogo e Laranjeiras, é considerado uma favela pequena. No segundo semestre de 2008, a Polícia Civil realizou uma operação no Dona Marta desestabilizando o tráfico local, que depois disso ficou sem liderança forte dentro da comunidade.
Na parte de cima da favela, existia uma creche cujas portas se encontravam há muito tempo fechadas. A primeira-dama do Estado do Rio de Janeiro, Adriana Ancelmo, na qualidade de presidente de honra do Rio Solidário, tentou reabri-la, o que não foi posível pela proibição do tráfico. Sua indignação gerou uma demanda para a Segurança entrar naquele morro e acabar com a afronta. Aproveitando, na ocasião, a falta de liderança do tráfico local, a Polícia Militar entrou sem grandes confrontos e ocupou o Dona Marta em novembro. No prédio da creche foi criada a sede da primeira Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) do Rio de Janeiro, e duas creches foram abertas na parte de baixa do morro. A consolidação dos projetos das UPPs não ocorreu em reuniões formais, com pautas definidas.
Tradicionalmente, almoçávamos com o secretário e seus subsecretários, diariamente, em uma sala de reuniões ao lado da sala de Mariano. Nesses almoços, conversávamos sobre todos os assuntos que estavam em pauta; surgiram desafios pessoais, em que alguém levantava a possibilidade de determinada medida, como, por exemplo, entrar e permanecer em caráter definitivo em determinada comunidade; ouro colega levantava as dificuldades em termos de necessidade de efetivo e se prontificava a levantar os dados por curiosidade, para testar a ideia proposta. Em alguns dias, esses almoços duravam algumas horas, e muitas inciativas de sucesso surgiram dessas conversas, sendo construídas aos poucos, de forma incremental, entre elas as UPPs.
O crime na comunidade caiu a quase zero, os índices de criminalidade na área de Botafogo foram reduzidas drasticamente. Para comandar a UPP, por indicação do coronel Marcos Jardim, Mariano escolheu a major Priscila, com uma história de vida muito particular, criada dentro de uma comunidade e conhecendo bem como é a vida nessas regiões. Com uma importantes passagem pelo 16º Batalhão, ela era a pessoa certa para a missão. A primeira UPP deu um sopro de esperança à população do Rio de Janeiro. As pessoas viram que era possível.
Com a implantação oficial em dezembro de 2008, a Segurança Pública iniciou uma nova era, em que a retomada dos territórios e a libertação da população das comunidades passaram a ser o norte da polícia pública de segurança, abrindo uma janela de oportunidade fundamental para a inclusão das comunidades ao resto da cidade.