
“Na minha época, repórter de polícia era o que ganhava menos na redação”
José Louzeiro sempre foi repórter de polícia. E dos bons. Daqueles que dignificam a profissão pela seriedade e postura ética. Escreveu diversas matérias que tiveram repercussão nacional, os chamados furos jornalísticos. É também o criador do gênero romance policial, unindo jornalismo e literatura.
Quando começou no jornalismo, ainda adolescente, em São Luiz do Maranhão, sua terra natal, como ajudante de revisor no jornal O Imparcial, Louzeiro optou por um estilo e dele nunca se afastou na sua função de repórter: retratar o submundo da marginalidade e personagens vítimas da violência policial e dos poderosos. É o chamado jornalismo investigativo.
Após sua promoção a repórter, suas matérias começaram a incomodar ao poder local e, em 1954, teve que viajar para o Rio de Janeiro, fugindo dos capangas do Vitorino Freire, velho cacique da política maranhense. Em solo carioca trabalhou nos jornais Última Hora, Correio da Manhã, entre outros. Tempos depois foi para São Paulo. Como repórter da Folha de São Paulo cobriu um caso que ganhou repercussão nacional, pois chocou o país. Crianças e adolescentes, moradores de rua na capital paulista, foram abandonados à própria sorte pelo governo, numa cidade chamada Camanducaia, como a imprensa passou a se referir ao caso, que acabou arquivado na Justiça.
Mas, ao contrário de quem deveria fazer cumprir a lei, Louzeiro continuou ligado ao caso Camanducaia. E escreveu o livro Infância dos Mortos - 1971 - que originou o filme Pixote - A lei do mais fraco, de Hector Babenco.
A estreia na literatura ocorreu em 1958, com o livro Depois da Luta. Outro livro marcante e que também virou filme foi Lúcio Flávio, O Passageiro da Agonia. Em Carne Viva relata o drama de Zuzu Angel e de seu filho Stuart Angel, morto torturado pela ditadura militar brasileira na década de 1960. Em outubro de 1997 lançou a biografia da cantora Elza Soares - Cantando para não elouquecer. Filho de um pastor prostestante, o gosto pelos livros começou pela leitura da Bíblia, que lia para o pai analfabeto.
No estilo romance-reportagem, anterior a Pixote, outro livro que marcou sua trajetória profissional foi Aracelli, Meu Amor (livro lançado em 1973. Foi censurado pelo então ministro da Justiça, Armando Falcão. Recentemente o livro foi relançado).
Louzeiro também fez sucesso na TV, onde foi autor de várias novelas, como por exemplo, Olho Por Olho, Corpo Santo, Guerra Sem Fim, Gente Fina e O Marajá, inspirada no caso Collor-PC, e nas denúncias de corrupção. A Justiça proibiu sua exibição.
Na redação de um jornal carioca, repórteres de polícia são chamados de repórteres de segurança pública. Trocaram a nomenclatura. O repórter não cobre casos de polícia, e sim, de segurança pública. Nessa pseudo modernidade não está embutido um preconceito contra a reportagem de polícia?
Há muitos anos não entro numa redação. Essa do repórter de polícia ter o nome trocado para “repórter de segurança pública” é novidade. Isso me leva a recordar que, na minha época era, também, o que ganhava o menor salário da redação. Tomara que, com a mudança, tenha conquistado aumento de salário.
Gostaria que o amigo falasse um pouco do seu trabalho nessa época de ditadura militar.
Vivíamos vigiados. Por qualquer coisa a mais ou a menos, éramos acusados como comunistas e até levados ao DOPS, onde tínhamos de reponder às mais imbecis perguntas.
Você é a favor da desmilitarização das PMs?
Sou contra tudo que cheire a militarismo. Trabalhar de olho na próxima guerra não é comigo. Acho as guerras os maus momentos de nossas vidas. Acompanhei algumas delas. Tanta gente morrendo por nada, só os capitalistas e as altas patentes lucrando com a dor dos soldados, e o zé povo e suas crianças chorando lágrimas de sangue. Qual sua opinião sobre as UPPs? É ridícula a forma que o desastrado governador Sérgio Cabral e seu nazista secretário encontraram para mostrar o lado social da polícia que tomou contra das favelas. O caso mais badalado pela imprensa, ocorreu na Rocinha, onde o pedreiro Amarildo foi preso, metido numa viatura e desapareceu. Os policias envolvidos foram punidos? Que aconteceu, afinal, senhor governador?
(Nota do blog: 25 PMs foram presos, inclusive o comandante da UPP da Rocinha, major Edson Santos.)
O que é necessário para ser um bom repórter policial?
Ter respeito e admiração pelos humilhados e ofendidos. Quando são presos e metidos nas celas imundas das Delegacias, antes de chegarem aos presídios, comem o pão que o Diabo amassou. Todo prisioneiro que termina virando personagem para a reportagem é, na verdade, um pobre coitado. Não tendo onde cair morto, acha que ser preso é até bom. No geral, “preso pobre” não tem direito aos cuidados nem do advogado mais barateiro da praça.
A grande maioria dos jornalistas recém-formados,em termos de trabalho, preferem as emissoras de televisão. Como você analisa essa tendência?
Na televisão o jornalista tem seu compromisso maior com a imagem. Quanto menos falar diante das câmeras maior público alcançará.
A imprensa entrou em crise no final dos anos 80. As redações trabalham com um número reduzido de repórteres. Muitos apostam que os jornais vão acabar, derrotados inapelavelmente pela Internet. Que acha dessa previsão apocalíptica?
É o sinal dos tempos. Com a nova tecnologia, cada vez mais evoluída, o futuro das comunicações avança de forma quase que milagrosa. A invenção dos tabletes é uma delas. O velho aparelho que surgiu de forma praticamente milagrosa, concorrendo com o cinema, tem seus dias contados. O futuro da imagem está longe de ser previsível. Em meio a tudo isso, o velho jornal impresso em papel, já é coisa do passado.